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Armário não é lugar para gente!



A discussão teórica da sexualidade, em suas bases constitutivas, é um desafio oriundo do século XX, isto porque somente a partir da segunda metade deste século a sexualidade passou a ser interpretada de forma científica e laica, embora as correntes conservadoras continuem a propagar a “satanização” de práticas sexuais tidas como “desviantes” ainda nos tempos atuais, repercutindo significativamente no imaginário social.


Ao redor do mundo contemporâneo, é possível observar casos de violência, detenção, homicídios e outras formas de violação dos direitos humanos em razão de orientação sexual e identidade de gênero. Tais violações podem partir tanto da sociedade civil quanto dos próprios Estados, de formas mais sutis ou explícitas. Dados obtidos no relatório anual da Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Intersexo - ILGA[1] sobre a homofobia de Estado revelam que para 72 países a homossexualidade é considerada um crime, 8 deles punem relações sexuais entre pessoas adultas do mesmo sexo com a pena de morte. Não é exagero, pois, concluir que o preconceito fere, mutila e mata.


Há vinte e sete anos a homossexualidade deixou de ser reconhecida como uma doença pela Organização Mundial da Saúde – OMS, posicionamento reforçado no Brasil pelo Conselho Federal de Medicina e também pelo Conselho Federal de Psicologia. Esses posicionamentos fortaleceram as lutas sociais em defesa da igualdade de direitos para lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais – LGBT. Desde então, foram produzidas diversas ações no poder executivo, no poder legislativo e no poder judiciário, que tornaram possível caminhar na direção da construção de uma sociedade tolerante nos marcos do Estado democrático de direito.

Importante resgatar que todas as conquistas para a população LGBT foram fruto de duras lutas sociais. O conservadorismo nunca foi eliminado, apenas derrotado em alguns momentos da nossa história recente.

Não por acaso, atualmente, setores conservadores buscam dissolver os posicionamentos científicos e laicos que tencionaram as históricas desigualdades entres os sexos e as sexualidades. O alvo da vez é o Conselho Federal de Psicologia, especialmente a Resolução 01/1999, que orienta a categoria profissional para a atuação em relação à questão da orientação sexual.


O Brasil vive um momento crítico, caracterizado pela crise econômica e pela ofensiva conservadora, inserido num contexto maior de crise do capitalismo mundial. O desemprego, a violência e o empobrecimento da população crescem na proporção da retração das políticas sociais.

Para além das expressões mais visíveis da crise capitalista, verificadas nas desigualdades sociais e econômicas, existe uma forte carga ideológica que sustenta e legitima operações que aprofundam as desigualdades para preservar os privilégios. Tanto no âmbito sócio-econômico, como no âmbito ideológico, os princípios da ofensiva conservadora são os mesmos: acumulação, exploração, dominação, alienação e desigualdade. Trata-se de uma ideologia pautada em verdadeiros desvalores sociais, que descaracterizam valores éticos emancipatórios como a liberdade e a autonomia.


A recente decisão liminar da Justiça Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal enfraquece, pelo poder judicial, o entendimento construído de forma histórica e coletiva pela Psicologia sobre a questão da orientação sexual, secundarizando o saber profissional. É ainda mais preocupante imaginar de que forma o Poder Judiciário, constituído substancialmente por operadores do Direito, podem inflexionar transformações sobre outras áreas do saber e profissões. Hoje, nos articulamos em defesa da Psicologia. E amanhã?


A Psicologia tem história, tem trajetória e tem protagonismo neste país. A ofensiva conservadora será encarada de frente, porque a felicidade é saudável e continuará sendo, independente de decisão judicial. Antes de tudo, é necessário tratar essa sociedade doente, que discrimina o afeto e naturaliza a violência. Nos tempos modernos, armário não é lugar para gente. Seguimos, tratando o preconceito permeado na sociedade e nas instituições, estes sim tem cura.


Tempos modernos - Lulu Santos

Eu vejo a vida melhor no futuro

Eu vejo isso por cima de um muro

De hipocrisia que insiste em nos rodear


Eu vejo a vida mais clara e farta

Repleta de toda satisfação

Que se tem direito do firmamento ao chão


Eu quero crer no amor numa boa

Que isso valha pra qualquer pessoa

Que realizar a força que tem uma paixão


Eu vejo um novo começo de era

De gente fina, elegante e sincera

Com habilidade

Pra dizer mais sim do que não, não, não


Hoje o tempo voa, amor

Escorre pelas mãos

Mesmo sem se sentir

Não há tempo que volte, amor

Vamos viver tudo que há pra viver

Vamos nos permitir


Valdécio Júnior

Assistente Social

Coordenador - FASP - biênio 2016-2017

 

"Quase nenhuma ação humana tem por sujeito um indivíduo isolado. O sujeito da ação é um grupo, um 'Nós', mesmo se a estrutura atual da sociedade, pelo fenômeno da reificação, tende a encobrir esse 'Nós' e a transformá-lo numa soma de várias individualidades distintas e fechadas umas às outras." (Goldman, 1947)

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